segunda-feira, 8 de novembro de 2010

MARATONA DE AMSTERDÃ - SHOW DE EVENTO

E aí, corredor?!

A Maratona de Amsterdã, na Holanda, não está entre as principais do mundo, que são as que formam o circuito World Marathon Majors que dá US$ 1 milhão para quem mais pontua nas provas de Nova York, Berlim, Boston, Chicago e Londres, mas nem por isso ela é pouco desejada pelos corredores do mundo. 

Prova disso é o animador depoimento feito pela amiga Sylvia, corredora da Equipe X e das Onças, que tem larga experiência em corridas de rua e em Maratonas, não só no Brasil como no mundo. Li o seu depoimento e achei tão interessante que pedi a ela se poderia publicá-lo no E AÍ CORREDOR, o que foi prontamente atendido por ela.

É um pouco longo para o Blog, mas vale cada linha e por isso mesmo não tirei nenhuma palavrinha.


Viva la Vida
A Maratona de Amsterdã
(por Sylvia Carvalho)

1.281 pontes; 165 canais; 400 mil bicicletas; 15 mil km de ciclovias; 600 mil bulbos espalhados em campos de tulipas; 2.500 barcos-casas; dezenas de mulheres expostas em vitrines; 250 marcas de cerveja; cafés licenciados que comercializam maconha; moinhos; tamancos; eutanásia; casamento gay; uma menina judia e um diário que comoveu o mundo; onze amigos, dez corredores, cinco maratonistas, um estreante; 42,195 km a percorrer.

Quase todos esses dados podem ser encontrados em guias turísticos ou livros de história. Outros, porém, só existirão na lembrança daqueles que viveram essa aventura e que, assim como eu, jamais esquecerão.

O outono em Amsterdã é sempre chuvoso, mas no céu daquela manhã de 17 de outubro não havia uma nuvem sequer. O sol deu o ar da graça logo cedo, mas não trouxe o calor que lhe é inerente e com o qual estamos tão acostumados. Era uma manhã clara e iluminada, mas gelada.

Chegamos com bastante antecedência ao local da largada e antes que os milhares de atletas tomassem conta do lugar, o que é comum nas grandes maratonas, tratamos de registrar tudo com nossas máquinas fotográficas. Fotos diante do Estádio Olímpico, sede dos jogos de 1928, dos anéis entrelaçados, do telão e do pórtico; fotos nas arquibancadas, na pista interna, no gramado central. Sempre juntos, sempre abraçados. Essa pose, tão característica entre nós corredores, naquele dia tinha um significado especial. Demonstrava a amizade, a união, o companheirismo, o espírito de equipe e a admiração que sentíamos uns pelos outros, guerreiros prestes a encarar uma importante batalha.

Livramo-nos dos casacos e agasalhos, deixamos as mochilas no guarda-volumes e caminhamos em direção à largada. Desejamos sorte e sucesso uns aos outros, zeramos os relógios e nos misturamos à multidão, agora calados e absortos em nossos próprios pensamentos.

Um tiro anunciou o início da prova e a música “Viva la Vida” tomou conta do ambiente. Não poderia haver trilha sonora mais apropriada. Era mesmo hora de homenagear a vida, de festejar, de agradecer, de comemorar, de celebrar. E celebrar a vida é interagir com as forças da natureza e carregar o corpo de energia. A sensação é de felicidade, de encantamento, de êxtase total. Que momento mágico! Agora eu estava pronta e preparada para mais um desafio.

Os espaços foram se abrindo e a multidão começou a dispersar. O som dos alto-falantes foi sumindo conforme me afastava do estádio e só então voltei à realidade. Fiz minhas orações, liguei o meu MP3 e ganhei as ruas de Amsterdã.

O percurso é lindo e a estrutura impecável. Aliás, os meus elogios à organização já vinham desde o dia anterior. É de praxe e já faz parte do calendário das mais badaladas provas o encontro entre os corredores, na véspera, para um trote festivo seguido de café da manhã. Foi assim em Berlim, Nova York e Paris, maratonas das quais já participei. Atletas de todas as partes do mundo se reúnem para uma grande confraternização. Mas em Amsterdã foi diferente.

O Good Morning City Run foi uma agradável surpresa e um evento pra lá de divertido. Grupos de dez corredores acompanhados por dois guias trajando coletes reflexivos saíam a cada cinco minutos para um city tour pelas principais atrações turísticas. O ponto de partida era a Praça dos Museus, em frente ao Rijksmuseum e ao enorme letreiro I AMSTERDAM localizado no gramado central. Percorremos 6,5 km seguindo canais, cruzando pontes, atravessando bairros, transpondo praças. E enquanto corríamos ouvíamos comentários sobre a cidade, sua história, seus monumentos, suas igrejas e seus heróis, que não são poucos: gênios da pintura como Van Gogh, Rembrandt, Mondrian e Vermeer; do esporte, como Joham Cruijff; da filosofia, como Erasmo de Roterdam; da angústia e da falta de esperança, como a menina Anne Frank.

Aquela população havia sofrido com as guerras religiosas entre católicos e protestantes e padecido sob o domínio espanhol. Tinha enfrentado desavenças com a Grã-Bretanha pela supremacia marítima, visto seu território invadido pela França de Napoleão Bonaparte e dominado pela Alemanha nazista de Hitler, que dizimou cerca de 80 mil judeus em campos de concentração. Hoje, no entanto, demonstra uma alegria e hospitalidade sem igual e orgulha-se de suas conquistas, da liberdade de expressão e do respeito aos direitos humanos.

Os holandeses podiam mesmo sentir admiração por sua encantadora capital, uma das mais charmosas do velho continente. E a cada quilômetro que eu percorria naquela manhã fria de outono mais me convencia disso.

Mas eu também tenho orgulho das minhas origens. Participar de uma prova internacional não tem a menor graça se não estiver usando uma camisa do Brasil Além das cores verde, azul e amarelo a minha trazia o meu nome estampado nas costas. Isso facilitou o reconhecimento e o contato com outros brasileiros e me permitiu receber inúmeras palavras de incentivo e apoio dos espectadores. Ouvir alguém gritar o meu nome ou o do meu País gera uma descarga extra de adrenalina que faz estremecer o corpo e acelerar os batimentos cardíacos.

Atravessei a cidade de leste a oeste, correndo boa parte também por sua zona rural, margeando o Rio Amstel. Fazendas bem estruturadas e pastagens verdejantes recheadas de gado sucediam-se umas as outras. Não faltaram na paisagem os moinhos, tão característicos da região. Barcos com bandas de música subiam e desciam o rio animando os atletas. Diversos remadores pintavam as águas com seus caiaques e coletes coloridos. Ciclistas acompanhavam a distância e os moradores deixavam suas casas para assistir de perto e prestigiar os corredores. A criançada aproveitava para se divertir, oferecendo água, toalhas de papel, frutas ou simplesmente esticando o braço para que lhes tocássemos as mãos.

Concluí a prova em 3h53min, meu melhor tempo em maratonas. A música do Coldplay não tocava mais nos alto-falantes do estádio quando cruzei a linha de chegada, mas o momento era novamente de celebrar a vida. Viva la Vida!

E agora posso acrescentar mais alguns dados àqueles que citei inicialmente: um objetivo alcançado; um recorde pessoal; sete maratonas concluídas; uma imensa alegria; infinitos e eternos agradecimentos aos meus companheiros Kennedy, Nadja e Brasil, Graça e Ítalo, Carcílio e Neusa, Nélio, Janes e Sylvio; uma tremenda vontade de voltar aos treinos e planejar a próxima viagem.

Não tem jeito. Sou uma “maraturista” de carteirinha.

Valeu Sylvia.

Boas passadas.

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